terça-feira, 17 de novembro de 2009

Já não há heróis

De há uns anos a esta parte os heróis foram recambiados para o fundo de desemprego.

Veja-se o que se passa com a BD ou com uma certa vaga de cinema europeu e norte-americano. O protagonista não raras vezes é um homem fraco, cobarde, com defeitos de carácter, disposto a enganar os melhores amigos, a namorada e a família em nome da sobrevivência ou do sucesso. Com um embrulho de "fast-food" é vendido de forma acrítica e amoral. E no final acabamos por simpatizar com a figura, dada a sua proximidade com o comum dos mortais. É uma espécie "anti-herói" simpático, esperto e desenrascado. A receita ideal.

Em poucos anos, passámos meteoricamente de uma apologética dos heróis (vide Estado Novo, I República e/ou Monarquia Constitucional) para um pós-modernismo acéptico e descartável, sem espaço para virtudes e feitos notáveis.

Desconhecendo quando irá terminar este exercício de desconstrução (que tem aspectos profilácticos, reconheço), importa conhecer o impacto que o mesmo terá nos alicerces da maioria dos Estado Europeus. Será que alguém ainda acredita que a memória e a identidade podem viver sem o mito?

Recentemente, em troca de impressões com amigos sobre Aristides Sousa Mendes, alguém trouxe à colação o facto do Cônsul em Bordéus ser “usado” (e abusado) como uma arma de arremesso contra o Estado-Novo, em detrimento do seu papel na fuga dos judeus para Portugal.

Confesso que não disponho de informações detalhadas sobre a vida do Cônsul e nunca tive oportunidade de ler as mais recentes biografias que vieram ao prelo. Mais conhecedores da vida de Sousa Mendes do que eu, e mais avessos aos heróis de esquerda e de direita, estes amigos chamaram-me a atenção para certos aspectos menos luminosos da sua vida: processos disciplinares movidos pelo MNE, alguma condescendência de Salazar a propostas do conselho disciplinar, relatos dos Embaixadores Carlos Augusto Fernandes e Hall Themido, etc.

Para a história ficam cerca de 30.000 vistos emitidos a judeus perseguidos pelo regime nazi e o reconhecimento do Yad Vashem.Para aligeirarmos a conversa, e fartos de nos levarmos demasiado a sério, concluímos que o maior trunfo deste monárquico católico (por esta ordem, ou pela ordem inversa) foi o facto de ele, com a colaboração da sua mulher Angelina, ter sido pai de 14 filhos.


Esteira

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