quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Ir passar o Natal a Lisboa

Nos anos 70-80, quando me deslocava a Tomar para visitar os meus Avós, quer por altura do Natal, quer durante as intermináveis "férias grandes", o facto de virmos de "Lisboa" acrescentava-nos algum estatuto junto de amigos e conhecidos locais.

Para além da maneira de vestir, achavam eles que nós pertenciamos a uma espécie de iluminados citadinos, bafejados pela sorte e completamente alheios às dificuldades e saberes da dureza do trabalho do campo ou do trabalho fabril. Estou certo que para muitos deles, Lisboa seria uma espécie de Nova Iorque ibérica.

Com a meninas da aldeia (ou visitantes), o estatuto citadino tinha peso. Mas quando brincávamos aos indíos e cowboys (eram os tempos do Bonanza e dos Pequenos Vagabundos) só nos impunhamos junto dos nossos amigos se demonstrassemos maior rapidez, "inteligëncia" e capacidade de lideranca. Saltar da ponte do Nabao era um rito iniciático sem escapatória. Também tinhamos que ser bom copo e alinhar nos ataques nocturnos a hortas e pomares, onde invariávelmente enfrentávamos um zeloso pequeno proprietário devidamente equipado com o traje da guerra colonial e com uma "fusca" enferrujada .

Sempre que possível, passeávamos pela Aldeia com o monte de pardais ao cinto (derrubados a tiro de pressao-de-ar) ou com um balde cheio de barbos de grandes bigodes. Eramos uma espécie de "Pequenos Vagabundos", avessos a todo e qualquer trejeito do chamado "menino copo de leite".

Eu e o meu cla, adorávamos assistir à matanca do porco, decapitacao de galos e galinhas. Sempre que alguma generosa nos emprestava o seu burro ou mula, faziamos corridas a galope com os animais quase a entrarem em colapso cardíaco.

Lembro-me ainda que existia um código de honra na Póvoa: nós e os nossos amigos nunca nos agrediamos, ou melhor ....nunca andávamos à porrada.  Brincávamos com fisgas e "à pedrada" - uma verdadeira selvajaria-  isso sim, mas até isso tinha regras. A violëncia em estado puro ficava sempre dentro das quatro linhas de um campo de futebol improvisado.

O meu abraco aos Senhores da Guerra:  Manel Alberto,  Zé Papo-seco, Xico Cadaval, Firmino, Casimiro, Cëmeas, Toni, Zé Preto.

Hoje preparo a minha mala para ir passar o Natal a Lisboa. Num meio profissional diversificado e com forte concorrëncia, a naturalidade e nacionalidade de cada um pouco importa. Sobrevivem os fortes e os fracos ficam pelo caminho. O que estudou em Oxford ou Cambridge morre na praia se, por ventura, nao tiver as "skills" apropriadas.

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